Sobre jornalismo e violência



Cena 1
Um escudo da corporação, uma mesa adornada com munição, armas de fogo e drogas embaladas, tudo o quanto foi apreendido em uma ação policial. .

Cena 2
No contra-luz uma pessoa com a voz alterada dá um testemunho sobre determinada ocorrência.

Cena 3
A documentação usada na burocracia corporativa é exibida dando destaque para o nome dos envolvidos e as acusações.

Cena 4
A população indignada se aglomera aos gritos numa determinada localidade, apelando para que haja justiça em tal caso.

Nessas três cenas corriqueiras se enquadram grande parte das reportagens sobre violência e criminalidade. E mirando nelas convém refletir sobre a forma e função do jornalismo no Brasil.

Que a mídia tem o poder de formar opiniões que se alastram na sociedade temos um consenso. A problemática surge a partir do momento em que a mídia não se compatibiliza com tamanha responsabilidade. Grosso modo, opina mais do que investiga, e incita mais o acaloramento das emoções do que o questionamento e debate sobre os fatos.

Para um cidadão comum não são tão evidentes as consequências desastrosa do consumo de notícias mal elaboradas. Afinal, não é raro lidar com tal coisa como um entretenimento trivial. Mas há uma confusão muito grande, sem o menor esforço de tornar preciso, entre categorias como indícios e provas, suspeitos e acusados,  crime e contravenção, detenção e reclusão e por aí segue. Não fosse esse descuido o bastante, ainda há pouco apuro por conta da necessidade de ser mais rápido e dar o furo. Por fim, o envolvimento de elementos e mais elementos que não colaboram efetivamente para a condução da reportagem ou da investigação, como ocorre  quando colocam um vizinho pra falar do comportamento de um suspeito. Por melhor que possa ser a intenção, se o vizinho tiver qualquer antipatia pelo sujeito a incriminação com uma opinião muito pessoal torna-se a medida para a opinião pública.

Certamente as formas de abordar determinadas tensões sociais têm modificado ao longo dos anos. Os jornais já não apelam tanto para as imagens sangrentas, cadáveres e outros suplícios. Mas é inegável que a espetacularização da criminalidade e da violência ainda é muito rentável.  

Apesar dessa modificação que talvez possa ser compreendida como avanço, ainda estamos muito distantes de um jornalismo que invista na responsabilidade de prestar um serviço informativo para a sociedade. Informativo no sentido de fornecer um conteúdo cuja qualidade seja favorável à formação de opinião, estímulo para a ação do cidadão, e balize as políticas do Estado. O vício é o consumo imediatista de uma notícia, cujo apelo é emotivo por conter poucos elementos eficientes para reflexão, de fácil reprodutibilidade, e que logo após consumida pode ser esquecida, para dar espaço a algo mais chocante ou polêmico, numa espiral do quanto pior, melhor. Assim sendo, apelando para a metalinguagem, o mau jornalismo violenta a sociedade.

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