Vigiai o que fala, lê e escreve

Eu moro numa cidade pequena. De fato nem tão pequena, mas que todo mundo se conhece. Não é o se conhecer de saber a cor favorita e o dia do aniversário. É aquele conhecer velado, aquele que identificamos o ser de algum lugar, sabemos que ele estudou sei lá onde, é amigo ou chegado de sei lá quem, mora nas redondezas do bairro tal e trabalho nisso ou naquilo. Claro, isso é matéria-prima para a boa e velha fofoca. Convenhamos, o mundo não acontece sem a fofoca.

Uma simples pedalada pela orla é como entrar num túnel do tempo, ou perceber o quanto você ta amarrado numa trama enorme. Eu sou só um pouquinho neurótica e tal coisa me deixa assustadíssima, faltando nada pra largar a bicicleta e sair correndo. É a minha cara fazer uma estupidez dessas. É olhar nos olhos de uma pessoa qualquer que está no ponto de ônibus e ela abre um sorriso sem tamanho, como quem engoliu um cabide, e dispara que você ta sumido, que o pessoal se encontrou quinta passada na Cantareira, que fulana tá grávida (isso não ocorre com gente, só com poste), que o primo de beltrano morreu, o irmão de cicrano passou no concurso e toca a desencravar gente e acontecimentos, tudo isso enquanto eu pedalo na praia! Não agüento. Pedalo para espairecer, mas acabo mesmo é absorvendo um mundo de informações. A criatura falando de gente e eu preocupada se as formigas entram no cio, ou se avencas gostam de ópera.

Eu evito ler jornais porquê minha mente capta as coisas de forma muito pessoal e reproduzo tudo num linguajar chulo, truncando informações, fazendo pouco caso das coisas e colocando em pé de igualdade os conflitos na faixa de Gaza e os estudos científicos sobre os benefícios do consumo de café. Aliás, já repararam como num dia dizem que é bom e no outro que é ruim!? Me dá um enorme alívio sentir que no mundo não há consenso. Me sinto no ápice do ser humano.

Mas retornando ao nosso mundinho particular, Niterói, aqui é complicado até aquele bate-papo de botequim em que, por algum motivo extraordinário, resolvemos falar mal de alguém. Em qualquer lugar do mundo as pessoas têm a tranquilidade se expressar abertamente (claro que é mentira!), dizer nome, sobrenome e empreitada de um grande filho da puta. Aqui em Niterói é preciso parcimônia. Antes de falar mal de uma pessoa sondamos como quem não quer nada: Alguém aqui conhece, é parente ou é muito amigo de fulano Silveira? Em caso negativo, olhamos ao redor cuidadosamente, e só depois destilamos aquele gostoso veneno sobre o referido. E mesmo com todo o zelo podemos dar o azar de um vizinho do dito cujo estar de ouvidos atentos na mesa ao lado. FUDEU!

Melhor do que falar é ouvir. Adoro a conversa dos outros. Aliás, quando a conversa é nossa raramente é tão interessante. Certa vez saí com as amigas pra comer pizza. Mentira, a pizza era pretexto pra falarmos mal dos namorados, peguetes e afins. Nessa noite nem nos demos a tal trabalho, pois na mesa ao lado só falavam do meu ex. Eu rolava de rir, eram coisas que eu não sabia, mas me davam um alívio cômico de não estar mais com ele. No fim da noite eu já estava até com pena, querendo ligar pra ele e oferecer aquele ombro amigo e o que mais fosse conveniente.

Essa cidade me sufoca! Eu odeio a idéia de conhecer a amante do marido de uma de minhas melhores amigas. Na frase é complicado entender o quê e quem, mas é chato ver o marido da minha amiga namorando e noivando com uma vizinha, dar bom dia, boa tarde e/ou boa noite “tranquila”. Não tenho nada a ver com a história, essa não é a primeira vez que alguém faz algo do tipo, mas acabo me sentindo mais amiga dele do que da minha amiga por conta da conivência. Isso parece plágio de Nélson Rodrigues, mas é Niterói.

O conceito de anonimato em Niterói é vazio. Ninguém passa despercebido. Romário desfila no centro de Niterói e nada demais acontece. Isso eu vi, ninguém me disse. “Tá ligado” (um ilustre andarilho) atravessa a rua e todo mundo mexe, grita, xinga. Claro, ele responde! Eu corria na praia as 6h da manhã e as 11h já choviam recados no orkut dizendo que me viram. No caso a atividade era até saudável, nada demais comentaram, mas e quando me viam na súcia? Dei fim a essa vida! A do orkut, não a da súcia, ok?!

O que dizer dos professores da cidade que a cada semestre conhecem no mínimo mais sessenta pessoas? Multiplica por dez anos de magistério e tenta ir à praia sem ser apontada. Pois bem, esse post foi inspirado um pouco numa professora. De link em link cheguei a uma crônica muito rica e preocupada para ter a autoria de um imbecil qualquer. Contudo, eu não tinha ligado o nome a pessoa. Pelo gentil e carinhoso recado deixado aqui no blogger já fiquei esperta e feliz. Mas no lugar dela eu já acionaria o mecanismo neurose perseguição, largaria o teclado e sairia correndo.

PS: A atualização constante do blogger é proporcional com a minha falta do que fazer. Não é à toa que dias chuvosos me inspiram. Em relação as neuroses e perseguições, dou um tom fatalista porque não me custa. Sobre falar de Niterói, ela é realmente uma cidade muito peculiar, mas eu até gosto. Nada que embace meu desejo de ser vizinha de Roberto Carlos na Urca. Mas se eu sou arrogante morando num pombal em Niterói, que Deus vos livre de eu morar numa cachanga na Urca.

Comentários

Patrícia disse…
Como você falou, o Orkut "dá conta" do que acontece e do que não. E o mais estranho é ver que, aquela pessoa que você não conversa, mas que te vê todos os dias, do nada, resolve ser o seu "miguxo". Ah, vê se não f*!. De vez em quando eu também tenho minhas crises com Orkut e com a cidade pequena onde cresci. Lá, eles sabem mais da minha vida do que eu.

- Patrícia, você fez isso, isso e isso né? Fiquei sabendo.
- Foi mesmo, eu fiz?

Grrrrrrrrr.

Ficar me regulando não é o meu hobby.


Tem post novo, que explica mais um pouquinho sobre a pessoa que sou.

=)

Boa semana!
Patrícia disse…
É um dos últimos posts de uma das "Garotas que Dizem Ni". São três. É um blog conjunto. Sempre que eu vejo uma boa idéia lá, eu copio, colocando justo os meus dados, qualidades e defeitos, para que as pessoas possam me conhecer melhor. Na verdade, acho que para que eu consiga pensar em quem estou sendo...


www.garotasquedizemni.ig.com.br
Patrícia disse…
E claro, sempre coloco os créditos.


=)
Lu Ribeiro disse…
"vamu" curar essa ressaca de carnaval e voltar a escrever? sds
Anônimo disse…
necessario verificar:)

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