Sobre homens, cães e gatos

Eu penso num sem número de assuntos e pautas para escrever ao longo do dia. Basta sentar na cadeira, em frente ao computador, e uma aridez toma conta de mim. A cadeira esvai minhas mais férteis idéias. Mas não me dou por vencida. Alguém quer comprar uma cadeira diretor giratória na cor azul? Favor, fazer contato. Tenho urgência e o preço é uma bagatela. Enquanto o futuro dono da cadeira não se manifesta, lanço mão da técnica, vai escrevendo qualquer merda, deixando fluir até que a idéia boa apareça.

Então, acho que estive pensando nas diferenças. Grande bobagem, pois é ordinário pensar nas coisas em pares de oposição. Eu penso em trios, quartetos, quintetos e até sextetos de oposição. Mas não larguem a leitura, prometo lhes poupar de enfadonhas comparações. Mas como eu ia expondo, me ocupei do comparativo mais mastigado do mundo, homem e mulher. Minha irmã ontem a noite leu para mim um comparativo do Luis Fernando Veríssimo e ele escreve tão bem, tem idéias tão claras e geniais, com uma escrita tão deliciosa e fluente, que é um absoluto desestímulo tentar escrever algo com o mesmo tema. Pensei nos cães, nos gatos e forcei a barra para deles chegar aos humanos.

Comecemos pelo clichê de que há pessoas que gostam de cães e as que gostam de gatos. Se eu disser a que tipo de pessoa me alinho torno desnecessário o desenvolvimento e conclusão do texto, mas é fato que tenho minha predileção.

Não faltam poetas que enalteçam as qualidades de lealdade e sensibilidade do cão. Vinícius de Moraes, por exemplo, dizia que o Whyski era o cão engarrafado. É bem típica e fruto do ditado que reza que o melhor amigo do homem é o cão. Aliás, enquanto escrevo até me veio a necessidade de saber a diferença entre cachorro e cão. Já sei! Segundo a Dramática da Língua Portuguesa, Priscilla Oliveira Xavier, a palavra cachorro é um adjetivo simples, trissílabo, paroxítono, singular, masculino; antônimo de cachorra. Já cão é monossílabo tônico (hiper chic, raro mesmo!), adjetivo simples, masculino, singular, só que antônimo de cadela. No verbete, ambos significam animal doméstico quadrúpede morrinhento cheirador de bundas e mordedor de chinelos.

Então o cachorro é o melhor amigo do homem. O cachorro é leal. O cachorro é prestativo. O cachorro concentra uma série de características socialmente positivadas. Aliás, quem tem cachorro precisa leva-lo a passear. Assim, quem tem cachorro exibe seu animal. É um animal doméstico sociável, no mais das vezes. O cachorro não é apenas um animal de passeio e sociabilidade, é um animal lúdico e útil. Cena de cinema é um sujeito varando uma bolinha e o cachorro, como um pobre diabo, todo feliz gastando suas energias correndo atrás da bola. E pior, trás a bola para devolver ao dono. Isso que é amigo! O cachorro ta sempre bem disposto, e quando o dono o deixa de lado, faz cara de pobre coitado. Tanto que quando alguém ta com cara de pidão, logo dizemos que ta com cara de cachorro.

O cachorro anti-social é um vigilante, um ser a quem se confia a guarda de uma casa. As pessoas realmente acreditam em coisas que eu por vezes poupo a fadiga e adentrar nos detalhes. Pelo descrito pode-se dizer que o cachorro é o cara. Correto? Não, falacioso! Cachorro é quem o cara gostaria de ser.

Dar nome a cachorro não tem mistério. É olhar e o nome vem, enaltecendo alguma característica visual. Se fêmea e preta, Xuxa ou Pretinha. Se alaranjado, Rex. Pastor alemão, Sultão. Pit-bul, Sadan. E não sai muito desse esquema. E é só chamar o nome que o animal vem correndo, rabo balançando, numa alegria sem fim. Aliás, nem sei de onde arrancam tanta alegria. Oito horas da manhã e o cachorro já ta alegre, dez horas da noite e alegre continua. É muita energia e elegria.

Passemos agora a falar do gato. Sobre esse animal que costumo ouvir “há quem goste”, como se gostar de um gato fosse uma característica de um ou outro, como se normal mesmo fosse gostar de cachorro. Gato é uma espécie de alvo. Mora-se num gato para atirar uma pedra, dar um chute, amarrar nele um pára-quedas (ninguém me disse essa, eu vi!), amarrar bombinhas no rabo e até na literatura o seu papel não é lá muito glorioso. Na literatura Francesa Charles Perrault.calça no felino com botas, já na literatura brasileira, mesmo como coadjuvante, Ariano Suassuna faz o infeliz descomer moedas em “O auto da Compadecida” numa das matreirices de João Grilo. Com maior ou menos apreço ao bichano, descomer moedas não é tarefa de pouca monta. Por aí se aquilata o quão bem quisto é o animal.

Pra começar a não prestar, o gato é dado a noitadas. E que noitadas! Ele vive ronronando, deitado em qualquer lugar, esperando cansar de não fazer nada para então pedir comida. Ta sempre bolando um jeito sacanear alguém. Vê coisas! É quase como um complexo de perseguição, pois fica todo ressabiado e fica em guarda com qualquer ruído. Olha para o nada, fecha os olhos, se arrepia e sai correndo. Quando ninguém está olhando, ele se humilha, faz carinho no dono e dá seu jeito de pedir comida ou carinho. Saciado, dá as costas e ignora a existência de quem o alimentou ou deu carinho.

Passando rapidamente pelo campo escatológico, em termos de excreção, o cachorro tem que caminhar, andar pela rua, até dar vontade. Nunca dá vontade num local reservado ou discreto. E fica aquele tolete em lugar de destaque, como uma obra de exposição à apreciação pública. Já o gato tem um canto certo, faz sua merda e enterra. É até mais fedida, mas o assunto ta enterrado.

O gato é um animal claustrofóbico. Se vive na rua, anda sempre fugidio. Se vive a portas abertas, delimita um espaço bem específico até onde vai. E quando vive dentro de casa, não adianta abrir a porta, pois tem pavor de rua, do desconhecido. Alguém já viu um gato passear de coleira? É complicado! Já vi cães adestrados, mas gato tô pra ver que se habilite a adestrar. Ele só faz o que quer. Aliás, é uma teimosia inútil dar nome aos gatos. Faz bem parte de uma tradição de pessoalizar o animal doméstico. Às favas, pois os gatos ignoram qualquer chamado. Até admiro os garbosos nomes que teimam em lhes dar como Tony, Leopolgo ou Felícia. O dono chama o gato e ele se muito suspira, fecha os olhos e na certa pensa: Tá de sacanagem...Nem fudendo eu vou até aí!

E sobre a disposição do gato? O humor é relativamente estável, e a disposição é também. Em abono da verdade nem sei se disposição é um termo apropriado, visto que é tão pouca que quase pode ser suprimida. Para o gato a noite é feita para descansar e se entreter, e o dia para dormir. Conheço pessoal desse naipe!

Nem tudo a respeito do gato é negativo. Quando achamos alguém bonito logo pensamos: fulano (a) é gatinho (a). Ou quando uma pessoa ta muito desconfiada, dizemos que tá como um gato escaldado. Do fim ao cabo, o argumento da beleza é o mais enfático. O que se cumpre dizer que o gato só serve pra ser bonito. E nisso ele é eficiente! Faz pose, fecha os olhos, joga charme e vive disso. Deve ter noção do quanto os humanos se embevecem de sua beleza. Mas que não se fie tanto por isso. Quem não gosta dos gatos passa por cima de sua beleza dizendo que ele é falso, traiçoeiro, e que só lembra do dono quando tem algum interesse. Nossa, esse é o animal que ninguém quer ser. Entretanto, se formos despudoradamente sinceros, conseguir gostar de um gato é conseguir respeitar as características do outro, mesmo que estas sejam pouco ou nada nobres. Sim, o gato é o cara. É o que não gostamos de ser, mas somos. Mesmo que explicitamente só dentro de casa.

Comentários

Anônimo disse…
Gosto de cães, mas amo os gatos! E não tenho nem um pingo de respeito pelos humanos preconceituosos que falam que gatos são falsos e essas outras asneiras.

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