Nem te ligo!

Dia desses falava com uma amiga ao celular. Foi quando avistei meu ônibus, me despedi e fiz sinal pra ele parar. Entrei, preocupada em pagar a passagem e pegar o troco. Preocupada mesmo, pois pode parecer banal pra qualquer pessoa, mas tenho a cara mais “boba” que suponho haver no mundo, então toda atenção é pouca. Sem atenção, me passam o troco muito errado, ou certinho, só que em moedas. É sério! Já houve circunstância em que paguei com vinte e levei troco de quem pagou com cinco reais, e até mesmo já ocorreu de um cobrador me dar um troco de cerca de dezessete reais em moedas. Isso não é pra qualquer um. Só mesmo tendo a cara de babaca que eu tenho. Aliás, quem quiser comprovar minha tese, basta andar comigo e verá situações tão inusitadas quanto ridículas em respeito a minha cara de trouxa.
Deixando minha cara de trouxa de lado, estava eu no ônibus, com o troco conferido, caçando um lugar mais ou menos pra fazer a viagem. Parei entre as bolsas de um cara e a bunda enorme de uma moça. Não pelas bolsas, menos ainda pela bunda, mas aquele espaço parecia confortável. Consegui um espaço no ônibus sem ninguém ficar se roçando ou fedendo ao meu lado, e ainda assim a viagem estava irritante. Foi quando ao invés de tentar olhar o caminho achei de olhar para dentro do ônibus. Todo mundo falava ao telefone. Aliás, pior do que isso, havia quem estivesse falando por rádio.
Era uma zueira de vozes e ruídos, como se não bastasse o motor no ônibus e a orquestra do trânsito. Tudo na maior desarmonia. Pra onde quer que eu olhasse era gente com o celular na orelha, como se fosse um brinco. Eu vou falar um coisa pra vocês, fonte segura: o diabo tem um nextel, um vivo, um Tim, um Oi e um claro, tudo no cartão pré-pago. Aliás, me disseram até que o toque do nextel é um mambo, e o aparelho da vivo é um Motorola V3.
Na balbúrdia seguia a viagem. Pensei, pensei e resolvi admitir pra mim: estou viciada em celular. Precisei ver na sede de falar alheia o meu problema. Tudo começou há cinco ou seis anos, era uma conta telefônica num plano de R$32, na operadora vivo. De lá para cá troco de aparelho anualmente, e na mesma proporção ganho ação na justiça por problemas nos serviços das operadoras e por vícios nos aparelhos. Ouso dizer até que as indenizações pagam o aparelho e o serviço anualmente. Da maneira que for, o que é afinal um serviço de telefonia?
Compreendo que é preciso tecnologia, estudos avançados e o trabalho de milhões de pessoas no setor, contudo, grosso modo, não passa de palavras ao vento. Toda uma estrutura desenvolvida para as pessoas propagarem som. Ok, o avanço é tanto que de lambuja vai até a imagem.
Não faço idéia de quantas pessoas possuem aparelho celular no país, mas calculo que nem 10% delas resolvem efetivamente algo fazendo uso do aparelho. Cientes disso é que os fabricantes não poupam imaginação para agregar funções aos aparelhos celulares. O mero “ligar” fada um aparelho celular ao limbo. É como se ele não fosse nada. Entre as funções mais eficientes e inusitadas que meus aparelhos já apresentaram posso citar a indicação da hora mundial, afinal de contas como é que eu vivo sem saber que horas são em Abudab? O índice de massa corpórea, o qual fui mostrar pra uma amiga da faculdade e a criatura até hoje me culpa por meu celular chamá-la de gorda. E, a melhor de todas, calculador de gorjetas. Essa é de suma presteza, pois uma conta de 10% não é feita por qualquer um. Essa função pra mim era um insulto, pois eu nunca faço esse cálculo se não ao inverso. Tenho a memória de um elefante, mas não me lembro quando foi a vez, se é que houve, em que dei uma gorjeta feliz. Não é só mesquinharia, ou é mesmo uma mesquinharia esclarecida, já que me alinho à máxima de que o cachimbo deixa a boca torta. No caso, o que era pra ser uma gentileza tornou-se uma obrigação. Mas isso são outros quinhentos e eu falo de outro vício, o celular.
Enfim, eu comecei num plano “Beneditino”, com base na idéia de que temos duas orelhas e uma só boca, portanto, devemos ouvir duas vezes mais do que falamos. Desse modo, eu ligava e falava pouco, e me colocava disposta a ouvir quem quer que me ligasse. Nem sempre eu atendia as pessoas, raramente ligava e tudo ia bem com um uso apenas racional do celular.
As promoções das empresas passaram a me estimular, tirar temporariamente a mordaça de minha boca com aquelas promessas de “fale 500 minutos por 7 centavos”. O asterisco abaixo da promessa, em letras minúsculas, sempre trazia os entretantos, tipo “promoção válida por um período de 3 meses”. E nessas modalidades ardilosas de promover o vício, eu fui falando, falando, falando. Quando a promoção acabava eu entrava em crise. Olhava para o celular, ao alcance das mãos, e dava só uma ligadinha. Aquilo me dava um alívio, mas a dose era pouca. Ia ligando, ligando, ligando, pequenas doses, vários dias. No final do mês a conta alta, e junto dela a promessa de que vou dar um jeito no vício.
Pois bem, a conta do telefone chegou aos trezentos e tantos reais. Procurei conforto me confessando a pessoas próximas. Elas diziam que quando pagam só trezentos estão felizes. A coisa é pior do que eu poderia supor. Eu sou “novata” entre os viciados. Mas já elaborei estratégias para me desvencilhar do uso do celular.
A primeira estratégia é adquirir, ou resgatar na gaveta de quinquilharias, um aparelho horroroso, bem antigo, daquele que se muito faz ligações e no display informa a data e hora. Qual a vantagem? Primeiramente, não dá nenhum gosto ficar carregando algo feio e grosseiro na mão. Não fica por aí. Todas as vezes que te ligam você pensa duas vezes se vai atender. Se atender vai ser rápido, falando só o necessário. Atender ou fazer ligações com um aparelho velho e feio é algo que se faz sorrateiramente, de preferência com algum disfarce, seja escondendo o aparelho na cabeleira, seja indo para um cantinho reservado, ou até apelando em colocar a cabeça quase dentro da bolsa.
E a agenda do celular? É preciso deixar no aparelho apenas números emergenciais. Os outros números ficam numa agenda de papel. É até mais seguro. Isso faz com que durante o dia poupemos de ligar pra todo mundo que conhecemos, reservando uma parte da noite pra ou encontrar com o pessoal pra colocar a fofoca em dia, preferível, ou ligar do telefone fixo para fixo, pois a noite as pessoas costumam ir pra casa ao menos pra dormir.
Outra estratégia é não se preocupar em carregar a bateria. A idéia é que ela tem uma autonomia no stand by e outra em uso. A do stanby é enorme, já em uso a autonomia diminui consideravelmente. Todas as vezes que você notar que tem apenas “um pau de bateria” (um clássico do vocabulário do viciado em celular) falará rápido pensando em poupar bateria pra uma ligação mais importante. A questão da bateria diminui a nossa preocupação com a carga constante, economiza luz e, mais importante, vai nos aliviando do vício. Pra um fumante, seria algo análogo a lhe dar cigarros, mas deixar ao seu alcance apenas palitos de fósforo molhado.
Tudo isso é ruindade? Sim, mas é pensando no bem das pessoas. E o que é o bem? Essa é difícil, passo! Agora basta de escrever porquê preciso fazer uma ligação. Aliás, já viram o novo smartphone? Então, tô visando um. Nem é pra ligar, mas só pra ter, é bonito e tal...

Comentários

Lu Ribeiro disse…
Como de costume vc arrebentou!!! sobre o lance das vozes no ônibus, outro dia no trem me senti a própria Jean Grey (X-Men) por mais que me concentrasse não conseguia parar de ouvir os pensamentos alheios e eram tantos e tão inúteis que quase surtei...

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