Eros na Cidade

Tec tec tec e a noite ia sendo consumida. Tec tec tec e durante uma semana pela manhã eu via meus olhos fundos no espelho. Tec tec tec e decidi que ou eu marcava um encontro ao vivo, ou iria me aposentar com LER. Pois bem, essa foi a última noite de tec tec tec e decidimos nos encontrar.

Quando e onde nos encontramos? Final de semana é bom pra encontro, mas para um primeiro encontro talvez não fosse adequado. Decidi que deveria ser um dia de semana. Depois do trabalho é bom, mas como eu nunca tenho um horário certo pra sair do trabalho, era melhor ser na hora do almoço, pois eu posso sair um pouco antes, chegar um pouco depois e de pouquinho pra cá e pouquinho pra lá ninguém dá conta. Sobre o lugar, na rua é exposto demais, sol, vento, barulho. Num restaurante o tumulto dos garçons me tiraria a atenção. Numa praça nem sempre se encontra um local desocupado pra sentar, e as vezes é tanto pombo e mendigos na disputa que nem anima. Só tinha uma resposta: shopping! Enfim, na segunda-feira tec tec tec propus quarta-feira, horário de almoço, no shopping, e ele aceitou.

A semana se arrastava! Dava sexta-feira, mas não dava quarta. Quarta-feira amanheci tensa! E pra minha tristeza no meu rosto uma espinha do tamanho de um furúnculo sorria. Maquiei e levei-a comigo. No trabalho todo mundo notou que eu estava ansiosa. Meus papéis ficavam marcados pelo suor da minha mão, meus telefonemas eram confusos, minhas respostas eram absurdas e eu era uma guardiã do relógio. 11h horas eu disse que ia ao banheiro, e fui. Eu só não expliquei que era o banheiro do shopping.
Sentei no local marcado, esperei os cinco minutos mais longos de minha vida e ele apareceu. Perguntou se eu era “Sara Shiva”, do bate-papo. Confirmei e ele sentou-se ao meu lado.

Minha primeira impressão não foi das melhores. E conforme a falta de conversa seguia a impressão piorava. O sujeito era igualzinho a foto que enviou. Mas na foto o cabelo dele não era tão melado de gel, os dentes não eram tão amarelos, e nem a pele parecia a superfície da lua, cheia de crateras. Aliás, quem era eu pra cobrar uma pele boa naquela hora, pois eu tinha uma pelota em ponto de erupção.

Enfim, a foto. Era tudo o que não me saía da cabeça. As pessoas passavam, tomavam sorvete e eu não me recordava mais o que eu estava fazendo ali. Nossa, eu tinha tanto trabalho pendente, e ali, distante, sem almoçar, parada com um estranho. Tudo o que ele falava não me dizia respeito. Além do que, ele exalava um cheiro estranho de suor, como quem correu uma maratona no Quênia de paletó. Mas acredito que no movimento do maxilar em algum momento saiu a informação de que trabalhava como segurança. Tudo explicado! E a hora?

Meu celular tocou! Não perdi a oportunidade. Era a minha mãe, que sempre me liga pra saber o quê e onde estou almoçando. Falei com ela como se ela fosse meu chefe e disse assustada que já estava voltando. O rapaz não entendeu nada, mas naquela altura era até melhor que ficasse sem entender. Enquanto eu saí dando tchau apressadamente ele perguntou se não dava pelo menos pra ter meu número pra ligar e continuarmos conversando. Eu logo dei o número de uma amiga que briguei recentemente, era o único número sem ser o meu que eu sabia de cor!

Voltei para o trabalho e me convenci que esse negócio de bate-papo não era pra mim. Consegui terminar meus afazeres um pouco depois do que deveria, ia pegar todo o trânsito do mundo ou me apertar no metrô. Mas não fazia diferença! Fiz meu contorcionismo, entrei no metrô e quieta e apertada segui viagem refletindo sobre a empreitada absurda do dia.

A cada estação, como um milagre, mais e mais gente entrava. Quando Einstein disse que dois corpos não ocupam o mesmo espaço, não tinha experimentado o metrô! Enfim, notei que a um metro de mim, ou a 15 pessoas, havia um rapaz me observando e sorrindo. Ele furou tudo mundo e se aproximou dizendo que eu tinha uma marquinha de sangue no rosto. Era a miserável da espinha! Pegou um lenço, pediu licença e limpou. Achei nojento e audacioso, mas agradeci sem jeito. Embalamos uma conversa, mas logo chegou minha estação. Por acaso também era a dele. Saímos da estação, eu apontei para a direita e ele para esquerda, e fomos. Dei uns dez passos e ele voltou e pediu o número de telefone. Eu dei! E dessa vez dei o meu. Nessa mesma noite ele me ligou, e eu nem tec tec tec. Eu acho um perigo dar o telefone para um estranho, mas a cada ligação eu estranho menos. Mas, não é mesmo perigoso falar com estranhos?

Comentários

Cris Medeiros disse…
Já encontrei muitos homens que conheci na net! Não foi uma experiência gratificante! Hoje em dia corro disso! E digo isso apesar de ter casado com um homem que conheci na net... rs

Mas dá certo pra algumas pessoas, espero que dê pra você!

Beijocas
Pitty que Pariu disse…
Gata,

Trata-se de uma crônica, ficcional total. Foi criada como um exercício numa disciplina tenta apreender os sentimentos que a cidade trabsmitem. Algo desse tipo.
Sobre casar, não é bem meu interesse. Mas sou temerosa a afirmar que "dessa água não vou beber", pois definitivamente tudo é possível.
Natty disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Natty disse…
Eu viajo nos seus textos. Acho incrível essa sua capacidade de redigir textos ficcionais. Eu só consigo me basear em acontecimentos reais.

Quanto ao lance de casar citado no seu comentário acima, faço das suas as minhas palavras,

Beijos
Natty disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Natty disse…
Considero o termo "sacanagem" um pouco pejorativo demais, portanto substitui pelo léxico "impureza", pois em minha percepção, são sinônimos de um mesmo contexto.


(acredite, ao retornar ao seu blog para responder seu comentário, reli sua postagem toda! incrível o seu fluir fictício)

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