Otimismo para pensar e agir
Nos idos de 2006/2007
eu trabalhava muito. E quando digo muito, é muito mesmo. No caso eu
nem era legalmente ligada a empresa como trabalhadora, pois meu
contrato era de oficineira. Mas o que me distinguia em termos
jurídicos não se espelhava na carga horária. Se eu pudesse
atribuir uma distinção entre minha condição e a de um trabalhador
formalmente vinculado à empresa, me valeria mais da hipótese do que
dos fatos para afirmar que era a responsabilidade exigida.
Para as leis
trabalhistas é impensável, mas minha realidade era a de 12 horas
trabalhando dentro da empresa e em média, e com sorte, duas horas me
locomovendo. No percurso da minha casa para a empresa, que eu fazia
em transporte particular por conta sobretudo dos horários bem
distintos do dito comercial, eu me impressionava com as rápidas
mudanças na paisagem. A dinâmica era tão intensa que dava-me a
impressão de que asfalto e o concreto estavam vivos. Mas o mesmo não
se aplicava à massa utilizada de mão de obra para promover
transformações urbanas, pois apesar de não conhecer os números,
vi algumas mortes no trânsito por falta de uma passarela nas
imediações das obras da Vila do Pan e do Parque Aquático Maria
Lenk.
A cidade estava se
moldando para receber os jogos Pan Americanos. Uma via exclusiva foi
pintada para tornar a cidade acessível aos atletas, comitivas e
demais envolvidos no evento. E a população que tivesse paciência
com seus congestionamentos diários. Equipamentos e equipes médicas
foram concentrados nos hospitais próximos às instalações e
equipamentos utilizados pelos Jogos Pan Americanos. As demais
localidades poderiam ficar sem certos serviços por um tempo. E não
era apenas serviço de saúde pública. A segurança da cidade passou
a privilegiar as áreas de concentração de equipamentos e pessoal
relacionados ao espetáculo esportivo.
Não obstante aos
desgastes, a cidade foi inflada no orgulho de um bom dever cumprido,
sendo palco de um grande evento que movimento a economia e
intensificou as relações entre os entes federativos, afinal, o nome
do país estava em jogo.
Essa conjuntura
fervilhava meus pensamentos. E eis que em um dia pesado de trabalho,
percebo mais de 15 homens amontoados de frente para uma pilastra,
disputando ouvidos e olhares para um ordinário celular mulitarefa
que transmitia nada menos do que o anúncio da FIFA do país sede
para a Copa do Mundo de 2014. Os gritos e a alegria subiram em um
rompante: O Brasil foi escolhido como país sede. Aquele momento de
absoluta convulsão até hoje não me sai da mente.
Todos gritavam
vitoriosos, mas será que tinham noção do que significava aquela
indicação do Brasil como país sede? Porquê todos estavam
envolvidos em uma aura de emoções boas e eu estava sofrendo,
angustiada? E este foi o episódio que me reencaminhou para a
academia, certa de que minha missão, ao menos nas circunstâncias,
não poderia ser a de fiscalizar o encadeamento lógico narrativo e a
montagem visual de cenas. Cessei a atividade de continuísta e
ingressei no mestrado de Planejamento Urbano e Regional da UFRJ.
Meu ingresso no
Mestrado foi brindado com um nada simples trabalho de preparar e
encaminhar a sociedade civil para as arenas de participação
política. Pois em momentos específicos a academia precisa olhar
mais para fora que para dentro, pondo mais em uso que afinando seus
instrumentos. E no Doutorado esse trabalho só se intensifica,
reiterando a percepção de Gramsci de que devemos conjugar o
pessimismo da inteligência com o otimismo da vontade.
Nas vésperas do grande
evento o Rio de Janeiro torna-se impraticável. O percurso que em
2007 eu fazia em cerca de uma hora hoje não demora menos que uma
hora e quarenta minutos. A questão da saúde, é mais digno morrer a
precisar de um atendimento ou acompanhamento na rede pública. E não
é muito menos sofrido o contar com o atendimento privado em
hospitais conveniados a planos de saúde. Sobre a segurança, o
cenário é atroz. Falta apenas admitir que entramos no estado de
natureza Hobbesiano, em que o viver em sociedade contempla o limite
de todos contra todos. Tarja preta passa ser o recurso de boa parte da população para lidar com o insuportável. A descrença nas instituições e nas pessoas é o café amargo de todos os dias, culminando em discursos e atos bárbaros.
Atualmente meu desejo
para a tese passa a ser aviltante frente a minha responsabilidade
perante a sociedade. O que penso pode não ser o melhor, o mais
apropriado para todos, mas o que vejo, o que sinto, o que ouço, está
longe de uma sociedade que se organiza em prol das melhores condições
para a maioria, em prol da equidade.
É preciso se expor, é preciso
se sujeitar, é preciso ter a grandeza de acreditar que podemos fazer
melhor, que por mais adverso que o quadro se apresente tudo pode ser
mudado. Afinal, se toda erudição não te faz enxergar o outro,
recomece pois ela não se justifica para nada.
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