Her - Uma ficção científica compassada
A ficção científica é um gênero literário que foi brilhantemente
incorporado pelo cinema. Graças a uma leva de crentes, empolgados e até
fanáticos pelos ideais da modernidade, as máquinas, a tecnologia e o avanço da
ciência consubstanciaram a promessa da realização do homem, projetando um mundo
sob controle. E essa receita foi muito bem sucedida durante anos com robôs,
inteligências artificiais, pesquisas mirabolantes, mapeamentos genéticos,
estratégias de combate a inimigos visíveis ou não, traquitanas que tornam o impossível banal, invasões
alienígenas e toda uma miríade de repertórios paralelos às nossas experiências
corriqueiras, nos deixando invariavelmente a sensação de que a vida sempre corre a um
passo atrás da ficção. Her é um filme de ficção científica cuja peculiaridade é
estar compassado com nossas vidas.
O primeiro investimento do filme é colocar em destaque não o
que justifica nossa existência, mas o que nos anima enquanto existimos, as
experiências afetivas, as emoções, e o principal delas: o relato, a escrita, o
registro, a narração, a imagem, a forma. O personagem principal é um mediador,
ou um aguçador, das emoções, pois seu ofício é redigir cartas, mesclando as
histórias e as emoções das pessoas para produzir mais emoções. Somente este eixo
faria uma boa história, mas o filme não segue esse caminho.
Joaquin Phoenix incorpora um sujeito talentoso com a escrita
e catalisador de emoções. Claro esteja que faço uso do termo incorporar porque
a atuação é tão densa que se mesclar ao sentido espiritual mesmo. E a
decantação das inquietações e frustrações afetivas do personagem principal
ocorre em uma relação com um sistema operacional que se sofistica conforme o
estímulo, bem característico do que convém chamar inteligência artificial.
Ao longo da relação entre um homem e um sistema operacional
com voz feminina algumas questões vêm à tona, como a maior ou menor relevância
da forma corpórea e mesmo uma apologia sinestésica, na medida em que faltando ao
sistema operacional um corpo e deste corpo uma imagem, cabia como registro da
relação a sonoridade. Para além, os stock shots que faziam a transição entre
uma sequência dramática e outra eram imagens da cidade, o habitat do homem
moderno, insinuando em pares opostos as noções de indivíduo e multidão, proximidade e distância, presença e ausência.
As imagens do filme são ótimas, mas não cabe dúvidas quanto
ao protagonismo dos diálogos. São constantes as sequências discursivas que nos
fazem mergulhar em questionamentos. E o filme que apela para uma estrutura pseudo
futurista se encerra compassado ao nosso presente, numa metalinguagem, ao nos incitar
a refletir: Afinal, o que estamos fazendo?
Em poucas palavras: profundo, sensível, inquietante.
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