Orange is the new black, with old prejudices
As séries estão em alta. É cada dia mais raro se deparar com
alguém que não curta pelo menos uma. Mas esse sucesso não é de agora, tampouco
por acaso. Algumas características colocam as séries na frente de outros
produtos, como por exemplo o formato enxuto, que pode ser disponibilizado e
acessado a qualquer momento pela internet; os roteiros ágeis, salpicados de
referências da cultura pop ou de nichos cults; e um investimento em arquétipo
na construção de personagens. Infalível a tal ponto que para as séries acaba
valendo o adágio típico para addict: evite o primeiro episódio.
Embora eu não me enquadre no que poderia ser chamado de
audiência televisiva, andei refletindo e já fui captada por algumas séries. Na
infância eu me lembro de assistir Super Vicky, Profissão Perigo e Alf: O
ETeimoso. Na adolescência entrei na onda Barrados no Baile, Melrouse e Pantão
Médico (E.R.). Dando um salto pra fase adulta, vi muito Friends, Two and a half
man, Todo mundo Odeia o Cris, CSA e até House. Mas na fase adulta eu diria que a
oferta de séries aumentou tanto quanto reduziu meu tempo para consumir esses
produtos.
Há cerca de duas semanas fui intimada a assistir Orange is
the new black. O nome já me soava muito familiar, embora eu não tivesse ideia
do que se tratasse. Enfim, é uma série produzida e disponibilizada pela
Netflix, cujo foco são os dilemas amorosos de Piper Chapman e sua vida na prisão.
Sem nenhum demérito, no primeiro capítulo já percebi que operava-se
a lógica: onde faltar recursos que abundem boas ideias. Figurino pobre,
cenários repetitivos e baratos e poucas cenas externas. O baixo custo impera, mas há
que se lançar mão de artifícios que garantam a audiência. E o efeito foi
conseguido buscando a identificação do público com os personagens. Até aí,
nenhuma novidade. Mas os personagens principais são mulheres, à margem
(presidiárias) e homossexuais. Tcharan!
Eis que a série passa a representar mulheres, homossexuais e/ou marginalizadas.
Torna-se um produto que representa, que potencializa a ação e/ou visibilidade
para esse(s) grupo(s). E no interior da cadeia há grupos de afinidades
informados pela etnia/cor/origem: brancas, negras e hispânicas. É
relevante compreender que o corte étnico é o identificador dos sujeitos, se
sobrepondo à escolaridade, classe social, profissão, histórico criminal ou
predileção sexual.
Não tenho ideia de como isso se processa na sociedade norte
americana, mas para mim parece uma abominação. Conforme avançam os episódios, mais reiterada fica a condição de cada qual determinada pela identificação étnica.
As relações cotidianas, as experiências de convívio ou trabalho ocorrem irrestritamente, entre
todas, sobretudo os conflitos. Mas as relações amorosas, sexuais e de confiança somente entre iguais.
Os episódios têm títulos que sugerem uma comédia, as falas
são espirituosas e as ocorrências inusitadas, sendo difícil terminar um sem querer assistir outro. Mas a estrutura do desconforto não muda. Há
uma legião de seguidores ávidos por mais e mais sobre o amor de Chapman e Alex Vause,
personagens principais. Mas me pergunto o quanto a representação do amor
homossexual de duas mulheres brancas não vence as barreiras do preconceito acimentando a barreira de outros preconceitos.
No campo da representação há potencial político,
inegavelmente. E as séries, assim como muitos outros produtos culturais que entretêm, informam
e/ou fazem fazem refletir ou sonhar estão aí para isso. Em todo caso, a dúvida
paira se nos instiga mais enxergar a sociedade como ela é ou vislumbrar a
sociedade como ela poderia ser.
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