Uma escrita, a despeito da preguiça
Às
vezes me bate aquele receio de não saber mais transmitir minhas ideias pela
escrita. Imagino que assim como a prática leva à perfeição, a falta da prática
deve tornar mais difícil a vida de quem ousa escrever. Mas em defesa da mera
preguiça, tenho dois possíveis culpados para escrever pouco, o primeiro é a
abundância de assuntos e o segundo é o vício da escrita por ofício.
Conflitos
pelo mundo, desastres naturais, receitas para preservar a saúde, como educar as
crianças, moda, decoração, filmes, música, teatro, gastronomia, filosofia,
literatura, novela, séries, esportes, período eleitoral, festas, uffa ... Cansa
só de enumerar, mas todos os dias estamos expostos a um sem número de
informações variadas e torna-se difícil decidir o que é mais interessante ou
relevante falar. E mesmo quando escolhemos
um assunto, tamanho o envolvimento e a produção a respeito dele, ficamos
com aquela impressão de que não conseguiremos escrever algo que já não tenha
sido escrito, e até de forma bem mais brilhantes.
Passada
essa primeira barreira do escrever, a segunda é o vício do ofício. Uma
cientista social tem como fonte, instrumento e produto do seu trabalho a
escrita. Não apenas a escrita, mas caracteristicamente ela. E, que não seja uma
surpresa para o mundo, a escrita científica tanto abre caminhos para o
desenvolvimento da humanidade quanto tolhe caminhadas autônomas. Chamo de
caminhadas autônomas todos os percursos guiados pela criatividade que anima e
distingue os seres. E é pelo vício de escrever do mais simples para o mais
complexo, de modo a tornar minhas ideias acessíveis do leigo ao especialista é
que abdico do sensibilizar, do sentir, do experimentar, lançando mão do
apontar, demonstrar, averiguar, na mais pretensa imparcialidade. Enfim, a
alusão é a de uma escrita cadáver, apta à autópsia versus uma escrita viva,
apta às experiências, interpretações, imprecisões.
E
vencidas as duas barreiras, chega-se a esse breve desabafo. Nem preciso como
uma premissa física, nem sensível como um verso. Mas que contemple de minha
parte o anseio de expressar, e de quem lê o interesse em forjar uma compreensão,
ou quantas forem necessárias. Pois mesmo quando a escrita não parece tão boa, é
bom escrever!
Comentários