Frankfurt não é mais a mesma, e sequer uma pedra seria

Em 2011 estive em Frankfurt. Desta visita recordo com graça das folhagens vermelhas, alaranjadas e amarelas, as quais me iluminaram associações para a escolha do amarelo na bandeira alemã. Pode não ter relação alguma, mas a vegetação é sim um trunfo, um elemento significativo, um tom muito próprio, e portanto distinto, que contrasta feliz com o acinzentado e ocre das construções. Mas Frankfurt não é a Alemanha, embora condense muito do que possa caracterizá-la, a despeito de não ser a capital do país.

Minha admiração com Frankfurt não se resumiu à vegetação ou imponência das edificações em pedra. A população me impactou. No imaginário de quem habita a américa, a europa é o repositório e a matriz da cultura e da civilização ocidental, e a alemanha o bastião da pureza. Enfim, é pensar em um alemão e vemos aquele sujeito branco, loiro, enorme. E se pensarmos com mais detalhes, ele bebe cerveja e se veste emperequetado como no folclore propagado pela oktober fest. Pois bem, esse alemão habita apenas o nosso inconsciente, e se muito, pois na alemanha mesmo os que habitam são fonetipicamente asiáticos, indianos e, claro, os tais loiros, nem sempre tão grandes, além da mistura possível de toda essa gente.

Retornei ao Brasil sem entender muito bem, mas instigada com o que vi sem sentir. E três anos depois, quis as promoções de passagens aéreas que eu retornasse à europa via Frankfurt. Na verdade eu queria muito conhecer qualquer lugar, mas não necessariamente retornar para Frankfurt. Mas tudo bem, era um porto seguro, uma cidade grande que cumpre sua função de cidade grande: condensa multidões. Lá fui eu cheia de interrogações para Frankfurt, e ela já não era a mesma. Tampouco eu sou! A frase é mera retórica mesmo. Enfim, cheguei no aeroporto e já fui secamente tratada pelo policial responsável por carimbar meu passaporte. O argumento de que eu estava indo a Frankfurt para turismo não o convencia. E eu não tinha o que inventar! Talvez dizer que eu era prostituta, ou que fazia tráfico de drogas, sei lá, na hora não me ocorreu nada além da verdade, era um trâmite burocrático, daqueles que minam a magia e essência criadora. Com olhar cerrado e ares de contragosto ele carimbou e devolveu meu passaporte dizendo algo. Talvez ele tenha dito "vai tomar no cú sua piranha" ou "seja bem vinda", não faz diferença. O importante par lidar com os alemães é não se abalar com o tom, pois em alemão nada é gentil, doce, meigo ou suave. Até um "Ich liebe dich " tem tom de acusação.

Passado o ingresso nada amistoso, fui em busca de um transporte público que me levasse para o centro da cidade. Eles são muito bem servidos de transporte, com taxis e linhas de ônibus para o centro e cidades vizinhas no térreo, e no subterrâneo trens e metrô. Em um equipamento paguei um bilhete, que não precisa ser colocado em lugar nenhum, pois seu trânsito é livre. Explico para meus amigos que toda a liberdade e civilidade é fruto de condicionamento e repressão, e essa confiança de que todos compraram o bilhete não é cega! Embora sejam poucas as estações do aeroporto para o centro, na primeira parada entraram jovens de tipos bem variados, um deles negro (não são os mais comuns por aqui), e na sequência dois guardas enormes. Pois bem, chegando ao centro os guardas perguntaram pelos bilhetes, olhando grosso modo de todos, e indo direto no rapaz negro, que rodou por não ter nem bilhete, nem documentos. Meu ingresso na cidade me explicava que a diversidade de pessoas que dissolveram minha imagem do alemão se ampliou. Fato!

Se há alemães de todo tipo, é de supor que a cultura é um mix. Na gastronomia, por exemplo, a salsicha, o strudel e a cerveja alemã competem em iguais condições com goulaches, quebabs, samusas, tec-mex, pizzas, raps e crepes. Já nos trajes, música e filmes, ponto para a américa. Dessa vez além de Frankfurt, visitei também Stuttgart e em nenhuma dessas cidades tive a oportunidade de ouvir música em língua alemã. Onde me hospedei a música não para, sempre em inglês. No centro de Frankfurt vi um show de uma banda de rock, visual alternativo, todo mundo de preto, cabelos pintados de preto, e a execução terrível de clássicos pop de blink 182. Cultura é isso, cada qual se apropria ao seu modo!

A efervescência da área central no sábado me deixou em transe. Nunca antes tinha visto pela europa multidões como estou farta de ver no Brasil. Saca Saara nas vésperas do Natal? Então, fichinha! Criança, idosos, cachorro, adolescentes, famílias inteiras, manifestações, intervenções artísticas, feira, ambulantes e muita, muita, muita, muita polícia. Para todos os lados. Sou condicionada a compreender a presença maciça de efetivo policial como uma ode à covardia, e já estava tensa e arrependida por ter deixado meu passaporte no hotel. Ao menor sinal de confusão eu já estava apta a colocar as mãos para o alto e devolver as nutellas furtadas no café da manhã que eu trazia no bolso do sobretudo. Situação dramática! Mas fui me distraindo com a dança esquartejada da uma trava loira e estrábica vestida de cigana, comi um pão com salsicha regado na mostarda que fica exposta para as bactérias, ouvi um sujeito tocando percussão com uma máscara de cavalo, comprei um waffle com geleia sem geléia porque tinha acabado, e aos poucos me entrosava e ia me sentido local entre tantos diferentes, pois eu era se muito uma diferença a mais.

Relaxando com os passeios, notei mais as pessoas e as coisas. Por exemplo, ao redor do metrô ficam hordas de criaturas que bebem álcool o dia inteiro, tal como se fosse água, fumam como exús e não dão menor crédito para dentes. Juntando uns 20 desses não se contam 70 dentes! Enfim, dentes pra quê te quero? Supérfluos! E notei também que na rua que liga o hotel onde eu estava hospedada ao miolo comercial há uma parte associada com pornografia. Na vitrine que ocupa toda a esquina são exibidos sem qualquer restrição um sem número de pirocas, de cores e tamanhos variados. Mas entrando na loja a coisa é decepcionante, pois o que há são revistas, vídeos e produtos bobos como dadinhos e gels.

A noite em Frankfurt? Fria, de temperatura. Mas aquecida por bebida. As pessoas que curtem beber se encontram em casas noturnas nas imediações das margens do rio. A entrada é gratuita, pagam a bebida que consumir, mas ainda assim não faltam os que já vão pra noitada bêbados. Como não consumo bebidas alcoólicas, me restou a comida. Tem pra todos os gostos e bolsos. Mas a prevalência é a de carboidratos em relação a proteínas. Tudo é na base da pasta, pães, sanduíches, folhados, batata, pizzas etc, variando o recheio, o molho, o acompanhamento. Eles vão fundo na comida, não tente acompanhar. Uma pizza para eles é unitária, e em geral não é brotinho, é no tamanho de uma média ou maior. Doces? São lindos, mas não atendem muito bem ao paladar brasileiro. Sorvestes e chocolates? São banais e sempre gostosos, vai sem medo!


Concluindo, o retorno ao Brasil é o de quem já não vê um alemão ou a alemanha como antes. E também como quem já não é mais como era antes. Tudo muda, porquê logo Frankfurt não iria mudar?! Enfim, permanece a função cidade, palco onde tudo acontece.








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