Beleza x Bom Senso

“Satisfaction”, de autoria dos Rolling Stones, foi eleita entre as vinte melhores músicas do século. Ao som frenético de guitarras a música parodia a nossa incapacidade de obter satisfação e clama enfática e repetidamente a nossa tentativa de obtê-la. Essa percepção agonística da satisfação é um excelente ponto de partida para refletirmos sobre nossa aparência.
Se perguntarmos a qualquer pessoa se ela gostaria de modificar alguma coisa em seu visual a resposta da maioria seria sim. Por motivos sociais, culturais, políticos ou psicológicos as pessoas se mostram insatisfeitas com suas aparências. Certamente os apelos midiáticos potencializaram sobreforma a busca incessante por uma beleza idealizada. Esse ideal é tão mais valioso quanto menos alcançável.
A nossa satisfação poderia ser resumida por neurotransmissões estimuladas quimicamente por hormônios. Entretanto, em nosso cotidiano tal experiência forja um vulto. Precisamos ter satisfação profissional, familiar, afetiva, sexual, social, pessoal e o que mais. E sobrecarregamos de responsabilidade por nossa desenvoltura em todas essas esferas menos as nossas capacidades intelectivas e emocionais e mais a nossa aparência. Duvida?
Se o namorado te larga e começa a namorar outra, sua curiosidade é saber o que ela tem de interessante, ou saber se ela é mais bonita do que você? Se no trabalho promovem sua amiga, você se ressente porque ela é realmente mais competente ou porque ela é mais bonita? Se um amigo ou amiga está sofrendo, você tenta dar uma ajuda, o seu “discurso” de ânimo enaltece ou não a beleza da pessoa? E quando queremos dizer que uma pessoa é absolutamente adorável em algum momento deixamos de exaltar o quanto é linda?
Enfim, a beleza tornou-se o começo e o fim de tudo. É uma fé cega de que em sendo bonito e atraente todos os nossos problemas estarão resolvidos. Talvez essa afirmação seja simples demais para dar conta da complexidade de nossas vidas. A beleza acaba por brincar com os limites da nossa satisfação, já que nunca se alcança a beleza idealizada.
Atualmente os avanços da medicina nos brindam com inúmeras oportunidades de modificar nossa aparência. Porém o poder de modificar acabou se tornando uma obrigação. Não sei se para demonstrar o quão dinâmicos e dispostos às mudanças, não sei se para demonstrar posses que nos confiram a inclusão em grupos, só sei que esse afã de modificações estéticas, do fim ao cabo, não mudam as pessoas. Ou seja, se você tem um “desconforto”, não é uma intervenção com fins estéticos que dará jeito. Compreendo cirurgias reparadoras para pessoas que tiveram quaisquer lesões, compreendo a necessidade que algumas pessoas têm de mudar de sexo, compreendo até o investimento que artistas e/ou modelos fazem na aparência, afinal eles têm um retorno pelo sacrifício, todavia a banalidade das intervenções plásticas não fazem nem um indivíduo melhor, quiçá o mundo. Ao contrário, a beleza tornou-se um motim exploratório como um elemento de mero consumo, daqueles que cada vez consumimos mais e a cada dose nos satisfazemos menos.
Achar uma medida de bom senso para a satisfação com nossa aparência está um pouco além da nossa consciência, já que é como lutar contra uma ideologia global, uma força ideológica imperiosa. Porém refletir e propagar idéias para reflexão é uma atitude bastante louvável. Quem sabe um dia quem se declare satisfeito com a aparência, sem interesse por plástica, silicone ou botox, possa não ser execrado e taxado de ridículo, acomodado, retrógrado ou sem noção.

Comentários

Cris Medeiros disse…
Belo post!

Eu diria que toda essa neura em torno da beleza seja bem mais evidente nas mulheres... Já que homens podem ter poder por outros meios...

Beleza é poder pra uma mulher... Eu tenho total consciência disso quando vou em busca de todos os artifícios pra ficar mais bonita... Sim, porque eu sou neurótica com isso, mas faço um trabalho interno dizendo pra mim mesma que devo pisar no freio...

Mas o que busco na verdade é poder! Uma mulher bonita nessa sociedade machista é a forma mais eficiente de ter poder, não que as outras sejam menores, só que a beleza te leva mais rápido ao poder...

De qualquer maneira temos que nos policiar sempre, princiapalmente nós mulheres, pra não perdermos a vida em busca da beleza utópica! Há que se melhorar a aparência sempre, mas com o pé no chão...

Beijocas
яαiℓezα disse…
Eu ja falei o quanto gosto de vir aqui e ficar lendo e repitindo por varias vezes?

Isso aqui é um universo!


BEijos!
Isabela Lennon disse…
Todo esse ideal impossível de beleza que existe hoje é um tanto quando ridículo, e concordo com você:

"Quem sabe um dia quem declare satisfeito com a aparência, sem interesse por plástica, silicone ou botox, possa não ser execrado e taxado de ridículo, acomodado, retrógrado ou sem noção. "
Natty disse…
Sua escrita lembra muito a escrita da Elenita Rodrigues (ex BBB e autora do livro O Homem Ideal e Outras Conversas).
Vocês têm um pensamento muito em comum sobre beleza e bom senso.

Adoro esse tipo de pensamento, acho totalmente verídico.
Um beijo!

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