Porque flanar é perambular com inteligência

O título desse post é uma homenagem ao cronista João do Rio. Me valho de uma máxima de João do Rio para endossar a idéia de que o Centro do Rio é uma delícia. As ruas, os prédios, os serviços, o comércio, os tipos urbanos e uma série interminável de detalhes concentrados. A ida ao centro nunca é vazia, pois é ali onde tudo acontece, tudo se resolve. E é também o local onde a cultura fervilha. Música, teatro, cinema, bibliotecas, museus, centros culturais, galerias, exposições e intervenções. Passeando numa terça-feira de clima ameno, fiquei entregue ao que estivesse no caminho. E nesse clima fui brindada com uma exposição e um filme.

Para olhos e ouvidos comuns a vida de um músico, para os aguçados uma miríade de informações vibrantes. Assim é a exposição "Queremos Miles", em cartaz no CCBB. A mostra reúne música, fotografia, história, arte e design enquanto traça a vida, a carreira e a obra de Miles Davis. Meramente imperdível.

Miles Davis é cria de uma família de negros, dita burguesa dos EUA. Sua adolescência fora dividida entre o desejo da mãe que era o de que ele estudasse piano, um instrumento de brancos, e o seu interesse pelo trompete, instrumento maior do estilo musical que o consagraria como um gênio.

A genialidade do músico e o conforto financeiro não o pouparam das complicações e oscilações do metiê artístico, e mesmo da violência justificada pelo preconceito racial.

A exposição é excelente, contando com farto acervo fotográfico, fonográfico, audiovisual e objetos. Os textos que conduzem o visitante são objetivos, enxutos. A montagem apresenta suaves tropeços na construção cronológica, porém nada que comprometa a concatenação entre as fases e facetas da vida do músico e de sua produção.

O outro proveito foi um filme. Sabe quando você tropeça na frente do cinema e quando dá conta está sentado na sala escura a espera de uma surpresa? Exatamente assim assisti “Tudo ficará bem”.

O filme foi produzido e rodado na Dinamarca, com direção e roteiro assinados por Christoffer Boe. Explora as obsessões e crises de criatividade de um roteirista e diretor de cinema, a instigante metalinguagem, onde as angústias oscilam entre a ficção e a realidade, sem barreiras ou distinções.

O roteiro do filme é complicado, convidando ao sono. A montagem não é um padrão, ou seja, oras tudo está coerente e favorável, oras a ousadia dificulta acompanhar a sequência, mesmo sem erros.

Embora o roteiro ou o filme não sejam uma preciosidade, vale a menção favoráveis à atuação de Jeans Albinus, dando vida ao angustiado e alucinado roteirista Jacob Falk.
Como todo e qualquer filme tem um elemento mister, o ponto forte fica por conta da experimentação da fotografia, abusando da superexposição, com o uso vigoroso de halos e enquadramentos pouco convencionais, mesclando a escala do real com a escala de maquetes.

Em suma, supondo a recomendação como a finalidade de um comentário sobre um filme, a minha fica restrita a cinéfilos ou aficionados por fotografia e arte. Aos demais essa produção quase alcança um suplício.

Comentários

Isabela Lennon disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Isabela Lennon disse…
Nossa, fiquei curiosa pra ver essa exposição do Miles, adoro ele!!

Filmes como esse que você comentou me interessam justamente pela fotografia, que é sempre diferente e instigante, hehe!

Aqui em São Paulo o centro é tão fervilhante quanto no Rio, e um dia ainda quero ir aí dar uma passeada =)

Beijos =*
Há tempos que não vou a nenhuma mostra - de nada (filmes, fotos, desenhos e afins).
Saber destas só me deixam mais curiosa.
O Rio enquanto cultura não me é conhecido. Espero ter a oportunidade, em breve.

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