Êxodo: Deuses e Reis
Exodus Gods and Kings - BTS por teasertrailer
Por numéricos
e inimagináveis os recursos da computação gráfica na sétima arte, sou das
criaturas que não conseguem assistir a um filme épico sem ficar mensurando a
parte técnica para a execução.
A
cada cena de centenas de pessoas reunidas em um vale no meio do nada fico
pensando como produtora. Dou conta desde a escolha da locação, passando pela
locomoção das pessoas, alimentação, pagamento de figuração, pedido para figurino,
o número para caracterização e até o aluguel de animais e banheiros químicos.
Como
continuísta, uma infinidade de planos, lugares, objetos, roupas, acessórios e
perebas para dar conta dia após dia de filmagens para sequências variadas. Na
direção de arte os trajes, maquiagens, objetos, acessórios, estruturas das
locações (prédios, casas, choupanas, vias) correspondentes ao período que se
quer retratar. E tudo se complexifica em cortes de cabelos, desenho de barbas e
até no bailado das lutas, afinal, um bravo guerreiro egípcio não pode ser
confundido, em hipótese alguma, com um samurai pelo simples fato de portar uma
adaga.
Ridley
Scott, filmando "Êxodo: Deuses e Reis", cumpriu bem sua missão! Mesmo
ligada nos detalhes do ofício, o modo como a história foi contada me seduziu,
fazendo valer a magia do cinema de lançar o espectador em um mundo de
encantamento, em uma realidade à parte. E nesse mundo onde tudo é possível, o
impossível bem elaborado fica par e par com a realidade.
O
êxodo conta a saga do povo hebreu, liderado por Moysés, para sair do jugo dos egípcios
reinados por Ramsés. As duas figuras de
prestígio crescem juntos, Ramsés como herdeiro direto do trono, e Moysés como
conselheiro. Mas a afinidade entre ambos é quebrada quando vem à tona a
profecia de que Moysés é um hebreu que veio ao mundo para libertar seu povo. As
picuinhas se avolumam para lá e para cá
até que o cético Moysés em sua trajetória exilado pelo deserto passa a falar
com o Deus dos hebreus. E nesse encontro
de Moysés com Deus é que a mão do diretor se mostra, pois Ridley Scott encana
Deus como uma criança birrenta. E nas conversas entre Deus e Moysés a história
sagrada ganha contornos tão humanos quanto irônicos. Aos meus olhos foi o toque
de Scott que tornou verossível a
história sagrada.
E a
capacidade de tornar crível o que ao outro é uma verdade incontestável não para
no encontro de Moysés e Deus. Uma outra cena muito aguardada, por sinal já bem
batida pelo cinema e quiçá pela literatura, é a do mar que se abre para Moysés
e seu povo passar. Fiquei indócil imaginando aquela cena linda, toda trabalhada
na computação, de um mar que de um segundo ao outro abre um caminho dividindo
as águas. Hidley Scott esvazia o espetáculo divino do mar que se abre optando
pelo fenômeno natural de baixa da maré, possibilitando a travessia. Para os
céticos a passagem coincidiu com um fenômeno natural, e para os crentes o
fenômeno não deixa de ser obra divina. Vibrei! Me senti feliz em conseguir
acreditar sem ter que necessariamente partilhar da crença nas escrituras
sagradas.
Hidley
Scott merece ainda o crédito pela escolha dos atores e condução das emoções. É
fascinante a distinção entre os homens cheios de si, e os cheios de Deus em
gestos e olhares. Entre líderes e escravos, entre fieis e traidores. Claro que
têm pesos caricatos, mas dialogam com nosso inconsciente de modo eficiente nos
faltando a vivência.
"Êxodo:
Deuses e Reis" não tem o impacto ou mesmo a rentabilidade que se espera de
grandes produções do cinema. Não agrada a todos, pois em termos religiosos os ortodoxos
estão sempre pela defesa de uma tradição dura que perpassa o tempo, se
ofendendo com quaisquer alterações. Mas com muito mérito a produção se coloca
em um lugar de destaque, como uma adaptação singular de uma passagem vulgar,
propagando sem o glamour religioso uma passagem bíblica que, ainda hoje,
alimenta tanto a fé e união quanto a desconfiança e o conflito. Ver o filme é
como ler a bíblia e dialogar com o conteúdo com a frase: MENOS! Apesar de
qualquer pesar religioso, o fato é que o filme propaga um episódio bíblico. E conhecer
é sem dúvida um ótimo passo para refletir, respeitar e transformar a ação,
ampliando a coexistência respeitosa entre as crenças e até a descrença.
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