O verão dos 450 anos da Cidade Maravilhosa
O Rio de Janeiro continua lindo! A exclamação cantada nos
versos de uma música, no ano em que a cidade completa 450 anos ganha contornos
de interrogação.
A cidade exaltada pela harmonia da estrutura urbana com as
paisagens naturais está mais velha, mas passa por obras que têm a intenção de
deixá-la com jeito de novinha. Entretanto, as mudanças na aparência não dão
conta dos problemas antigos da cidade.
O Rio de Janeiro no início do período republicano convivia com
dificuldades no abastecimento de água, de alimentos, da circulação das pessoas,
sofria com doenças que encontravam no calor, rios, pântanos e esgotamento
precário um ambiente oportuno para a proliferação, e já padecia também com as
galhofas dos poderosos que davam vida ao que seria a nossa cultura política nos
caprichos pessoais, pouco caso com as demandas da população, em acertos
amistosos e no nepotismo descarado. O
que era ruim teve que ganhar um brilho a qualquer custo quando a cidade se
tornou a capital da República, afinal, haveria de espelhar essa grandeza.
E o Rio de Janeiro se fez cidade em praças, jardins, ruas,
avenidas, calçamentos e o que mais fosse necessário para torná-la cúmplice do
um sistema econômico que ditava no
espaço as suas necessidades. E o país amadurecia politicamente buscando
configurações que limitassem os desígnios localistas, culminando em 1937 em um
Estado novo, de governo centralista, marcado pela hipertrofia do poder
executivo e vigor da força policial. Na capital da república abundaram museus,
bustos, placas e praças para conferir notoriedade ao poder instituído, na
prerrogativa de ser o autor e narrador de uma história oficial de glória, capaz
de forjar a unidade da nação.
E o Rio de Janeiro foi sendo palco da política nacional, se
consolidando como espaço de decisões. Juntamente com São Paulo a capital era um
eixo econômico, atraindo fluxos migratórios especialmente das regiões do norte
e nordeste. E haja estrutura urbana para abrigar os políticos e suas
pretensões, eventos que modificavam o cotidiano da cidade e o contingente de
trabalhadores que chegavam na cidade em busca de oportunidades. E o que se
impunha à cidade despreparada para tamanho adensamento era tanto um desafio
quanto um impulso para a sua estruturação, a qual foi promovida em nome da
racionalidade e em tons urbanísticos.
Ainda na perspectiva da centralidade, mas desta vez mais
espacial do que administrativa, o Rio de Janeiro sofre um revés. Com a
construção de Brasília, sintetizando e concretizando um projeto modernista em
uma nova capital, o Rio de Janeiro perde o prestígio político, e junto dele grande
soma dos recursos que eram revertidos para sua estruturação. Apesar dos
pesares, o glamour e a efervescência intelectual e cultural não se abalaram.
O Rio de Janeiro já estava acomodado engenhosa e
urbanisticamente entre o mar e as montanhas, reunia em sua região central
camadas de história, transbordava cultura material e imaterial de valor
inestimável, se caracterizava por expressões da cultura popular como o samba,
inspirava na intelectualidade dos bairros da zona sul a Bossa Nova e o rádio e
a televisão só depunham em favor de seus encantos. E assim o Rio de Janeiro
cresceu como uma cidade muito bem falada, e se reduziu enquanto cidade vivida,
enquanto espaço do cotidiano.
O Rio de Janeiro como cidade maravilhosa passa de crônica
para marcha carnavalesca, e da marcha carnavalesca para hino da cidade. Nessa
caminho a maravilha se complexifica no inconsciente coletivo em paisagens
deslumbrantes e sensações idílicas, realizando ilusões e inspirando desejos,
selecionando nos discursos o que pertence e o que não pertence ao cenário
carioca.
E o enredo da cidade maravilhosa vai ganhando vitalidade
conforme vai sendo explorado, seja pelos políticos, seja por empresários do
comércio, cultura, lazer e turismo, seja até mesmo pela população que se
envaidece. A imagem da cidade maravilhosa colocava debaixo do tapete a perda de
expressão política de não ser mais a capital. E para debaixo do tapete também
iam problemas típicos das metrópoles, como transporte, habitação, saúde e
educação.
Para os problemas do cotidiano, tratamentos improvisados,
soluções momentâneas, ou o mero pouco caso. No entanto, o mais agudo desses
problemas era a distribuição espacial da
população de baixa renda na região metropolitana, alimentando a estratificação
do espaço. E tal questão se agravava governo após governo.
Após anos de silêncio de um período de supressões de alguns
direitos e falseamento de outros, numa manifestação da sociedade pelas
"Diretas Já" a principal avenida do Centro do Rio de Janeiro, a
cidade que não é a capital explode como a voz do país. E não muito tempo
depois, no mesmo espaço, novamente a população gritou, dessa vez pelo
Impeachment do presidente Collor. Enfim, não era mais a capital mas dava
demonstrações irrefutáveis que ainda falava alto.
Ao sabor da economia mundial, o Rio de Janeiro na vanguarda
se alinha aos imperativos de tornar a cidade economicamente ativa. Aliás, ativa
e ativo. Desde o mandato do Prefeito Cesar Maia a cidade está para negócios. Os
investimentos em propaganda da cidade crescem, a elaboração discursiva dá nome
a projetos de tornar as favelas bairros. Concomitantemente, os atrativos
culturais ganham destaques pretenciosos, como o Centro Luiz Gonzaga de
Tradições Nordestinas (antigo pavilhão de São Cristóvão, onde se instava a
Feira dos Paraíbas), a Cidade do Samba e a Cidade da Música. E nas gestões que
se seguiram o embelezamento de áreas potenciais da cidade, visando atrair
investimentos e turismo, com foco na estruturação para a recepção de grandes
eventos. Sendo breve em citar alguns deles, temos a Eco 92, os jogos Pan
Americanos, o Rio+20, a Copa do Mundo e em 2016 teremos os Jogos Olímpicos.
Sobre os grandes eventos, no meio da Copa do Mundo, a
população insatisfeita ganhou as ruas e descobriu na covarde base da porrada
que a democracia tem limites violentos. E enquanto isso o prefeito ganha
prestígio internacionalmente como um
excepcional player no city marketing. Vida que segue, obras que seguem, negócio
são negócios.
O verão de 2015 para os cariocas é a versão do insuportável, com
um sistema de transporte público precário, ineficiente e insalubre (altas
temperaturas dentro dos veículos), com aumento do número de roubos e furtos
praticados espacialmente em arrastões que se proliferam na orla e interrupções
frequentes no abastecimento de energia e água, especialmente em áreas de grande
concentração de habitações de população socialmente vulneráveis, leia-se
favelas.
Aguçando as tenções, uma coluna assinada no jornal de maior
circulação sugeria ao poder público a criação de mecanismos capazes de
restringir o grande fluxo de pessoas nos bairros nobres da zona sul nos finais
de semana. Fora esse acinte, e muito mais dramático sobre a segurança pública,
apenas em janeiro foram três crianças mortas, vítimas de balas perdidas.
Saúde? Cada um dá um jeito de cuidar da sua e o prefeito e
seus filhos podem pagar por excelentes médicos. Educação? Os professores que
reclamaram logo após as grandes manifestações de 2014 ainda sofrem as
consequências. E nas selfies a magia é estar na cidade maravilhosa, afinal, os
problemas não cabem nas fotos.
Embora seja necessários malabarismos para fazer o orçamento
da cidade cobrir despesas fixas, recursos não parecem problemas quando o
assunto é investimento na divulgação da imagem da cidade. E tal é notável no
empenho do prefeito em criar um Comitê Rio 450 anos para organizar ações e
eventos comemorativos do aniversário da cidade, tendo como foco a identidade do
carioca, com direito a concurso para escolher a rainha dos 450 anos. E
fortalecendo as iniciativas da prefeitura, o Jornal O Dia produz uma coluna
especial dedica aos 450 anos da cidade, com uma linha do tempo que período a
período faz um recorte dos eventos, personalidades e espaços de destaque para a
história da cidade. E o Jornal O Globo não fica de fora, traz também uma página
especial para o Rio 450, exibindo lugares, personalidades e expressões
culturais que são a cara da cidade.
Sobre 2015 que só começa, vai ter carnaval e a cidade faz aniversário...fica,
vai ter bolo!
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