Aos juizes juízo

Se as notícias dos jornais conseguem nos fazer refletir, o que nos sobressai, entre escândalos políticos e índices alarmantes de violência e criminalidade, é a antiga e famigerada ineficiência da justiça. Tudo bem, as instituições do país não são exemplares, não ampliam e nem contribuem em grande medida para o que convém chamar democracia.
A ineficiência não brotou em nossa sociedade, não dormimos na ordem e acordamos na desordem. É fruto de uma longa e tenebrosa história, que tem suas bases na colônia que Portugal instaurou no Brasil, na sua divisão do território em cesmarias e da produção mercantil para abastecimento de mercados externos. Esses são alguns dos possíveis fatores que podem ser elencados para a compreender a dificuldade do Brasil em se constituir como um estado-nação, de se inserir na modernidade estandartizada pela democracia e ideais universalistas. O malogro da constituição de uma esfera pública num território gestado consoante interesses estrangeiros e gerido por interesses privados tem reflexos atuais expressivos, sobretudo na posição do Brasil no cenário internacional. E internamente, bem podemos medir as conseqüências.
No Brasil o que deveria ser terreno para a igualdade, a esfera pública, nunca passou de uma extensão da esfera privada. E o golpe mais fatal desse fracasso na distinção de uma esfera e uma privada foi a construção de uma ordem jurídica com membros recrutados da elite dominante e comprometidos com os interesses dessa mesma elite, numa concepção de fazer com que esse sistema altamente personalizado, onde o privado predomina, se perpetue.
Os anos que se passaram, da constituição da república até hoje, não serviram de reparo para esse problema. Nem populismo, nem autoritarismo, nem golpe deram cabo da questão. A problemática da ordem jurídica, o distanciamento de uma normatização em prol de uma sociedade igualitária, ao invés de ser solucionada se complexificou. De resumo de sua incipiência fica o chavão de que de nada vale boas leis sem mecanismos que assegurem seu devido cumprimento. Mecanismos incluem instituições concretas e trabalho humano.
A minha intenção não é a de denegrir a ordem jurídica, ao contrário, é clamar pela necessidade que essa se estabeleça de forma eficiente e condizente com a liberdade e igualdade asseguradas em leis a todos os elementos que compõem a nação.
Mas como isso é possível quando um juiz tem poderes, acima do bem e do mal? Se todos são iguais, como um juiz não pode ser julgado, portanto, jamais punido? É uma imunidade que por um lado o distingue dos meros cidadãos, dando cabo do ideal de igualdade, e por outro aprioriza que o que quer que o juiz faça é legal. É daí que emanam excessos e confusões. Os excessos ficam por conta da arbitrariedade que do poder de decidir, dar um parecer que deveria se valer de uma reflexão que expressasse a coletividade, mas acaba dando voz aos interesses mais vis, pessoal, parental, religioso ou partidário. As confusões são as de aspectos morais e psicológicos. Quem investe na carreira de juiz o faz estritamente por interesse pessoal de gozar de uma série de regalias, de poder no sentido mais mesquinho. Ressalta o eu, detentor de uma legítima distinção social. O que nem a população, nem os juízes pregam é a concepção de que juízes são subordinados. Sim, subordinados a um ideal maior, a uma ordem, a um dever, a uma nação. Enquanto essa consciência não for internalizada como prática a ineficiência se perpetua. Claro esteja que há juízes que rezam, e muito bem, pela cartilha da ética. Contudo, não aparentam ser a maioria, e no mais das vezes atuam em questões periféricas, nas margens, de modo a não comprometer os grandes interesses de pequenos e poderosos grupos. Seus esforços são sempre embaçados pela má atuação dos que estão no miolo das esferas decisórias dos rumos da nação.

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