O Suspeito
Enquanto você se entretem, algumas ideias são lançadas em sua
mente. E são tão bem disfarçadas com cores, paisagens, diálogos, emoções,
enquadramentos e cortes rápidos que sem tem tempo para decompor e decodificar,
você acaba por introjetar tudo pouco reagindo. Naturaliza elementos de uma
cultura cívica que cotidianamente sequer te diz respeito. Que aliás, no limite,
te arremessa em um mar de frustração na medida da dissonância cognitiva entre o
que você vê nos filmes e o que você experimenta na vida.
A imagem em movimento produzida nos filmes é uma ilusão
brilhante, indiscutivelmente atraente. E o nosso prazer visual em grande medida
se sobrepõe às reflexões. Eis que este vício transforma o cinema em um
instrumento de inoculação de ideais variados. E os EUA conhecem como ninguém o
potencial do cinema e sabem magistralmente se valer desse instrumento para
defender e propagar suas ideias.
Se na era Reagan proliferaram suspenses, cujo temor do desconhecido
estava associado ao medo da classe média de ser usurpada de sua posição
confortável, na atualidade a fixação é a investigação que não poupa
estereótipos, no afã de resguardar a nação do terrorismo.
Não creio que um norte americano seja capaz de discorrer
longa e convictamente sobre o que é o terrorismo, como se organiza ou que
ideais representam os terroristas. E se forem capaz, farão uma descrição mais
adensada pelo que se propaga em filmes do que com o que experienciam dia a dia.
É sempre muito arriscado falar da experiência do outro,
afinal, sabe-se lá o que são torres sendo implodidas ao vivo para o mundo. Sabe-se
lá o que é um ataque de bombas em meio a uma maratona. Realmente não imagino
que em um desfile de posse possam dar um tiro no presidente. Enfim, nada disso
abala o que é conhecido como orgulho americano.
Os elementos cívicos têm a função de promover a coesão, o
sentimento de pertencimento, a comunhão. E esses culminam em um sentimento de
orgulho, além de outras marcas culturais estudado como cultura cívica. Enfim, todo
o orgulho americano só é possível se ignoradas as atrocidades que o país
financia mundo afora. Se ignoradas as políticas de "segurança" que
minam as vidas nos países do oriente médio produtores de petróleo. Se não
levado tão a sério o hiato entre a liberdade defendida e cantada versus a
vigilância frequente. Se bem justificadas as arrogantes políticas fiscais e
protecionismos que pressionam intensamente os países já pobres à perpétua
miséria, como se essa fosse uma realidade para a qual eles não têm qualquer
responsabilidade ou possibilidade de reverter. Essa é até fácil, pois a missão
dos países não é exatamente a de ajuda aos outros.
Enfim, a América é Linda. E se não fossem os terroristas para
ofuscarem toda essa alegria e esplendor,
ela não seria perfeita. E essa foi uma reflexão de um filme que pela
indução, com base em estereótipos, demonstra como se sacia a necessidade de uma
máquina de segurança, tão cara e desastrosa quanto qualquer empenho de promover
uma maior equidade, ou mesmo cumprir acordos internacionais que tem por vício
cobrar dos outros.
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