Tudo em ordem, por ordem de quem?
O urbano não foi uma semente que uma vez lançada no solo
brotou. O que hoje entendemos, vemos e experimentamos como cidade é resultado
de anos e anos de construção, ideias e relações. E como bem advertiu Weber, o
que fez as pessoas se concentrarem no espaço não pode ser colocado exatamente
no plano do acaso, afinal, as pressões, interdições e expulsões nos campos,
onde as pessoas proviam sua subsistência, têm papel decisivo no processo de
urbanização. Entre outros fatores como dotações materiais, produção, mão de
obra e mercado, o urbano se realiza por firmes regras de comportamento, também
muito conhecidas por civilidade. Dispensando os pomposos termos acadêmicos, miramos
a realidade para pensar o quanto a moldura dos comportamentos é constitutiva do
espaço urbano.
No Rio de Janeiro, por exemplo, a prefeitura atua com uma
secretaria de ordem pública (SEOP), um orgão regulador e fiscalizador da ordem
econômica, das posturas municipais e da regulamentação do uso do espaço
público. Não é pouca monta. E no Programa Rio em Ordem dá curso a ações de
nomes impactantes, mas em nada distante dos seus reais objetivos. A ideia
central é o choque de ordem, dispensando explicações para além do objetivo de
dar fim à desordem urbana. Outro programa impactante é o Lixo zero, numa
parceria da Comlurb com a guarda municipal. fiscalizando e multando quem suja
as ruas da cidade. E como exemplo d ordem pública no setor econômico, o
programa Empresa bacana, que atua no combate a informalidade em comunidades
carentes. Além dos programas, o orgão coordena ações divididas em Unidade de
Ordem Pública, (UOP), delimitando áreas prioritárias para concentrar
atividades, no mais das vezes pontos turísticos ou de concentração de
atividades econômicas. Essas são algumas das atividades fiscalizadas, mas é bom
lembrar que me referi a competência direta da prefeitura.
Há espaços de convivência que deixam dúvida de quem é a
responsabilidade por zelar, mas é certo o fato de que há fiscalização. Um
desses espaços de repressão que anda dividindo opiniões é o transporte público,
especialmente os serviços prestados por empresas terceirizadas. O metrô tem
sido local tanto de insegurança, por assaltos e acidentes, quanto de repressão
de atividades. Os seguranças da empresa são acionados em horários de grande
movimento, organizando a entrada e saída dos vagões, algumas vezes de modo
truculento, e atuando para conter qualquer confusão ou manifestação de
descontentamento. Entretanto, nos horários de menor circulação de passageiros e
em estações pouco movimentadas, esses funcionários não são vistos, tornando o
transporte um local vulnerável, facilitando a ações criminosas (para além do
valor da tarifa, claro). Por outro lado, os seguranças atuam de modo eficiente
na proibição de apresentações artísticas ou comércio nos vagões.
Os exemplos apresentados demonstram o quanto as ações mais
simples do nosso cotidiano estão enquadradas entre o que é ou não é permitido,
em um sistema de intensa fiscalização. Não nos damos conta das proibições, na
medida em que temos boa parte das ordens introjetadas, como o andar vestido ou
não levar o cachorro ao cinema. E o que mais salta aos olhos não é meramente a
intensa vigilância de câmeras, o rigor dos fiscais de posturas, os guardas ou
seguranças, mas como nós mesmos atuamos diariamente como defensores aguerridos
das ordens. Agora pense no seu dia e me diga, quantas coisas você viu hoje e
condenou, achando um enorme absurdo? A diferença entre você e o fiscal da
prefeitura á a ação, no caso a dele é racionalmente orientada, no exercício de
uma profissão, e a nossa socialmente estimulada, nem sempre acompanhada de uma
reflexão razoável.
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