Um anjo safado/o chato do Querubim

Amy Winehouse é a mais nova habitante, ou o entretenimento mais atual, da imprensa mundial. Na internet, nos tablóides, nas revistas, nos jornais, no rádio e na televisão, só dá Amy.

Antes dos escândalos eu ouvia a música rehabit, adorava a melodia, ficava tocada com a letra e seduzida pela voz. Acreditava tratar-se de uma musa negra. Mas era ela, Amy Winehouse. Eu não ligava a voz à criatura. E que criatura!

Ligando uma coisa a outra, passei a ver fotos da cantora. Primeiro achei que ela tinha algum parentesco com primo Itt, dos Adams, ou Marge Simpson. Que cabelo! Era como um ninho, um mafuá, um aglomerado, um tufo em forma de cone, era uma voz e um cabelo.

Não tardou para eu perceber que o sorriso não era o da Mona Lisa, mas nele havia um mistério. Faltava um back lateral, um centro-avante, não sei bem. O que sei bem é que o time tinha um desfalque. Agora era uma voz, um cabelo e um sorriso.

E assim fui construindo Amy. Em pouco tempo o corpo dela começou a aparecer. Aliás, o físico dela se assemelha consideravelmente ao meu. Um tipo magro, fraco, tíssico, mas com uma protuberância abdominal. Imagina uma cobra quando engole um sapo, é mais ou menos isso.

Pensa que acabou? A voz, o cabelo, o sorriso e o físico são acompanhados de uma personalidade ímpar. Eu não entro no mérito se boa ou ruim, apenas na originalidade. Bêbada, drogada, fumante, acessível (é flagrada em qualquer bar, qualquer esquina), dona-de-casa e namorada de presidiário. Para a mídia ela é o anticristo, o exemplo acabado da depredação do ser humano. Pessoalmente eu a vejo como a forma quase que ordinária do indivíduo moderno, que apesar de tudo vive. Aliás, poucas vezes vi um artista tão humano, tão mortal, tão errante.

Amy é Amy, gostem ou não. Em algum momento da vida dela, aposto, ela quis ser igual as amigas porrérrimas da escola. Em algum momento ela deve ter sonhado com um casamento bonito, socialmente abençoado. Em algum momento quis namorar aquele nerd bonzinho com futuro promissor. Deve ter sonhado também com um lar, cheio de crianças branquinhas sorrindo de um canto a outro promovendo a devastação da decoração que custou os olhos da cara. Tudo isso é lindo, mas é caro demais para um espírito grandioso, para pessoas habitadas.

Alguém já ouviu falar num certinho que fez diferença no mundo? Eu só conheço o Bill Gates, mas é um exemplo lastimável demais. Napoleão não devia obedecer muito a mãe, Bethoven não tirava boas notas na escola e Einsten não tem cara de quem comia legumes ou de quem era muito rigoroso com a higiene. Porque a exigência de ser tão reto se o mundo é torto? Porque as pessoas insistem em ser quadradas se o mundo é redondo?

Não sou notoriedade, não sou bom exemplo pra quase nada, não sou porta-voz da verdade. Mas demorei um bocado pra me entender e me respeitar do jeito que eu sou, e não do jeito que gostariam que eu fosse. Desde pequena eu me atormentava por não obter grande êxito em ser igualzinha aos outros. Mas eu me destacava! Só em atividades pouco gloriosas, como em contar piadas recheadas de palavrões, fazer paródias de músicas (com palavrões), inventar apelidos, bolar formas de sacanear adultos, crianças e idosos, imitar tudo e todos, dançar (com coreografias no mínimo exóticas), escrever histórias (com palavrões e humor duvidoso) e desenhar charges e caricaturas.

Quando tinha reunião de pais e os professores comentavam as peripécias do alunado, minha mãe nunca duvidou de que a liderança da balbúrdia era eu. Quando havia uma festa e comentavam que roubaram os doces, furaram as bolas, abaixaram a cabeça do aniversariante no bolo ou dançaram sacaneando, meu pai em nenhum momento pensou que pudesse se tratar de outra criatura a não ser eu. Nunca se iludiram com a idéia de tentar me consertar, fosse com choque ou com surras.

E como a infância é um aprendizado para a vida adulta, sempre que me perguntavam o que eu queria ser, eu dizia que eu já era. E já era mesmo! E já era de um jeito que quando ouvia a música do Chico Buarque pensava que ele estava coberto de razão: Quando eu nasci veio um anjo safado/ o chato do Querubim/ e decretou que eu estava predestinado/ a ser a ser errado assim/ já de saída a minha estrada entortou/ MAS VOU ATÉ O FIM!

Comentários

Adoro Amy Winehouse!!!=)

Bjus!!
Tell Aragão disse…
gente, eu não conheço a Amy... vou procurar ver... é blogs alheios também é cultura ;)
mas, posso dizer... se ela sonhou coisas certinhas, eu também sonhei, como todo mundo... mas, também não conquistei... nem sou certinha... mas, também não sou uma amy... opa, então alguma coisa deu errado heheheh
bjs
Cris Medeiros disse…
"Antes dos escândalos eu ouvia a música rehabit, adorava a melodia, ficava tocada com a letra e seduzida pela voz. Acreditava tratar-se de uma musa negra. Mas era ela, Amy Winehouse. Eu não ligava a voz à criatura. E que criatura!"

Foi o que aconteceu comigo! Eu via os escândalos da Amy, mas não ligava a pessoa àquela voz! Depois tudo foi se unindo na minha cabeça até chega a imagem da Amy, que realmente é uma pessoa que faz a diferença...

Beijos
Maldito disse…
Adorei o texto,...
Com a globalização fica tudo mais acessível ao público, mas imagino que o que a Amy faz e passa, não deve ser muito diferente do que acontecia com a Janie Joplin nos anos 60,...só que na época não existia internet nem camera digital para a informação chegar tão rápido ao grande público,...
Inté!
Maldito disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Valeu pelo comentário! Passa lá no blog, tem post novo.

Bjus!!
Cau Bartholo disse…
Pitty mutio bom o texto...
eu sou fâ da Amy e vocÊ disse tudo eheheh...
ninguém é perfeito e ela realmente é muito humana... a imagem que ela passa em seus videoclipes, dvd's vão por água abaixo, mas manter uma pose dessa enquanto sua vida é uma merda, num deve ser fácil mesmo...
Muito bom o texto...
somos quem podemos ser!

BEIJOSSS
Patrícia disse…
Nooooooossa, que texto! A Amy devia ser o ponto, mais o foco mesmo foi você. Quanto mais a pessoa se aceita como é, mais brilhante fica. É o que acontece. Alguns parênteses:
01- "Aliás, poucas vezes vi um artista tão humano, tão mortal, tão errante".
Gosto do jeito que ela leva a vida. Não tenta falsear quem é e o que sente para se sentir melhor. Não precisa pentear cabelo, desfilar na SPFW, posar na VIP. Não precisa dizer que não sofre. E canta e encanta. E faz as pessoas vibrarem com sua música. E se fosse brasileira, sempre ia ter um p no c para perguntar: "Quem, a drogada??"

02- "Porque a exigência de ser tão reto se o mundo é torto? Porque as pessoas insistem em ser quadradas se o mundo é redondo?" Por quê??

03- "Não sou notoriedade, não sou bom exemplo pra quase nada, não sou porta-voz da verdade. Mas demorei um bocado pra me entender e me respeitar do jeito que eu sou, e não do jeito que gostariam que eu fosse". E eu também. Tou procurando me aceitar do jeito que sou, pois não é sempre que consigo fazer tudo 'certo'. E se eu não me amar, não vou amar nem ser amada (nossa, que brega isso!)

Excelente post. Acho que foi o melhor, e... Continua sendo um querubim chato!

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